16 de nov. de 2015

Folsom Street Fair e a festa leather

Fetish Pride

Uma festa de rua ou 'parada do orgulho Leather' e BDSM, a Folsom Street Fair, realizada anualmente há 31 anos na capital gay mundial São Francisco (EUA), atrai centenas de milhares de adeptos e simpatizantes do fetiche Couro, da relação sadomasoquista entre mestre (dominador) e escravo (submisso), curiosos, turistas, jornalistas e artistas que fazem da feira o ambiente ideal para suas performances eróticas e até produções pornô.

É que o evento consiste no encontro em público, na rua Folsom e seu entorno, permitindo-se durante esta celebração do sexo anarquista, hardcore e underground a total liberação da cultura ou subcultura fetichista, incluindo poder ficar no meio da rua completamente pelado, de pau duro e até colocar em prática ali mesmo as diversas fantasias sexuais, das mais tradicionais às mais bizarras.

Embora seja aparente e basicamente gay, não se trata de uma Parada do Orgulho LGBT e sim um encontro misturado com um festival de atrações direcionadas ao público específico leather (inclusive hétero), punk, hardcore, caracterizado também como do submundo do sexo (underground), geralmente praticado em ambientes como cabines eróticas, cinema pornô, clubes, bares, pubs e tavernas específicas ou propícias ao BDSM e ao sexo casual. É a turma conhecida também como "cuecão de couro", que aprecia usar tapa-sexo ao invés de cuecas tradicionais, anéis penianos, punhos de vinil, luvas de pelica, tatuagens, piercings (inclusive nos genitais e mamilos), máscaras de todos os tipos, coleira, guia e peitoral de couro, além de uma série de apetrechos de montaria, especialmente o chicote e o bridão (freio colocado na boca dos cavalos), as perneiras de cowboy estilizadas em couro preto e mais justas nas pernas, como uma cinta-liga, além de cordas, correntes e cadeados para bondage e condução de escravos sexuais.


Uma festa do couro, borracha, látex, cordas e correntes, num convite para curtir as fantasias e fetiches do universo leather, porém, fora das quatro paredes, em pleno espaço público, na rua! Um verdadeiro carnaval fora de época, incluindo aqueles foliões que preferem ficar só se exibindo como clowns ou 'mascarados de Veneza'... E a ideia é esta mesmo: trazer para as ruas todo o lado libertino e excêntrico do sexo que, normalmente, limita-se a locais fechados - nas residências, no motel ou em inferninhos criados especialmente para a clientela fetichista. Veja abaixo vídeos da Folsom Street Fair 2015:

Folsom Street Fair 2015 PROMO - folsomstreetfair.com

Moments: Folsom Street Fair 2015 - Vimeo

Além do encontro que já é por si inusitado, a feira inclui shows, performances ao vivo, DJs badalados, presença de pornstars, venda de bebida, artigos eróticos em geral, serviços de tatuadores e piercing, stands de clubes, academias e produtoras pornográficas, bem como uma série de atrações na temática queer e hardcore, mais especificamente leather e BDSM.

Localizado na histórica Folsom Street, a festa conta com mais de 200 estandes de expositores e seus artigos de fetiche, como roupas, acessórios, brinquedos eróticos... Um paraíso para quem curte a modalidade: são duas áreas de dança (Deviants Dance Stage e Magnitude Dance Stage) com atrações musicais ao vivo do top indie e trip hop, música eletrônica e shows alternativos, em clima Massive Attack, locais de jogos sexuais em público e áreas especiais para os exibicionistas da festa, incluindo os pornstars, fazerem o próprio show e performances (Main Stage e Homobiles Pick-up). Tudo sem falar na possibilidade de andar pelas ruas do jeito que bem entender, fantasiado, com roupas e acessórios comuns ou característicos e tradicionalmente leather ou, ainda, completamente pelado - muitos participantes ficam só de tapa-sexo, sendo este tipo de peça íntima a mais usada entre os fetichistas. Veja o mapa da feira (FSF 2015):

Participam da FSF cerca de meio milhão de pessoas, espalhados por 13 quarteirões da cidade.


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A Folsom Street Fair é realizada sempre no mês de setembro, dentro da programação da "Semana do Orgulho Leather" (Leather Pride Week). A história do evento começou em 1984 e já é a maior festa de fetiche do mundo, servindo de vitrine para artigos e produtos do mercado BDSM, artistas e personalidades do setor.

O encontro cresceu com proposta beneficente a instituições e organizações sem fins lucrativos, de benefício local e nacional, com todas as doações nos portões (U$10,00) que vão para estes grupos, bem como diversas outras formas de arrecadação de fundos no festival, incluindo os jogos eróticos (spanking e sexo oral), venda de bebidas, enfim, todas as formas de exibicionismo adulto sendo revestidas em doações.

Coordenada pela agência Folsom Street Events (FSE), uma instituição sem fins lucrativos que passou a realizar também outros eventos similares, como no Canadá e na Alemanha. Em São Francisco, a capital mundial do orgulho gay, a FSE também realiza a Up Your Alley Fair e eventos especiais como a Folsom Street Fair Formal Leather Gala, comemorando mais de 25 anos do circuit party anual Magnitude (Official Saturday Night Dance Event), com o foco na subcultura leather e com uma cerimônia oficial de encerramento chamada de Deviants Adult Arcade.

Leather Pride

A subcultura leather é mais visível e geralmente associada entre homens gays, embora esteja presente também no sexo lésbico, bissexual e heterossexual. O fetiche Couro é frequentemente relacionado às práticas de BDSM (Bondage, Dominação, Sadismo, Masoquismo) e, por sua vez, suas diversas vertentes. Mas, além das práticas sexuais, o estilo "leather" também é uma moda, um jeito de se vestir e até estilo de vida, que expressa enfaticamente valores de masculinidade ou de apropriação de poder sexual, incluindo a paixão pelas motos e bares, pela independência sexual e o envolvimento em práticas kink ou fetichista.

Leather Brotherhood - Tom of Finland
Neste sentido, se tem alguém responsável pela criação de uma iconografia leather (gay), cristalizando ou eternizando símbolos inconfundíveis entre os fetichistas, podemos certamente dizer que o desenhista Tom of Finland (1920-1991) foi o artista que mais contribuiu para a formatação deste estilo diferenciado de ser. Tom trazia, desde a década de 1960, em suas ilustrações para revistas gays (ou como ele mesmo dizia, a publicação dos seus "desenhos sujos"), desenhos eróticos e pornográficos que combinavam detalhes foto-realísticos com suas fantasias sexuais, gerando um trabalho nunca visto antes. A representação de detalhes, como as botas e as roupas de couro, chamava atenção pela perfeição, bem como intrigava pelo exagero aos pormenores mais emblemáticos ao homoerotismo: a textura na representação minuciosa de corpos masculinos super musculosos, viris, o volume no meio das pernas (pacote, mala, bulto, bulge, etc.), bem como o brilho que esses objetos de fetiche eram transmitidos via papel, desenhados com um simples lápis preto e capaz de aguçar a imaginação dos apreciadores até hoje.

Sua fascinação pelo o que conhecemos hoje como imaginário leather começou ainda nos tempos de guerra, juntamente com o surgimento do próprio conceito deste tipo de interação sexual, ao incluir os tipos sensuais da cidade em seus desenhos, encontrados no porto cosmopolita: trabalhadores braçais das construções, estivadores, marinheiros, policiais... - qunado Stalin invadiu a Finlândia, Tom, usando um uniforme de tenente, encontrou o paraíso nos blackouts da II Guerra Mundial. Nas ruas escuras da cidade, começou a se relacionar sexualmente, da maneira que havia sonhado: com homens uniformizados, cuja luxúria ele veio desenhar mais tarde, especialmente soldados alemães, que chegavam com suas jaquetas, caps e botas de couro. Depois da guerra, Tom voltou a estudar arte, mas a paz do pós-guerra diminuiu o movimento do street cruising e os uniformes se tornaram raros de novo. Então, ele passou a desenhar aqueles tipos que gostaria de encontrar nas ruas, numa criação nostálgica e que virou a maior referência estética leather, bem como da própria arte homoerótica.

Assim, uma mistura de BDSM e Leather faz a festa na rua Folsom e nos inúmeros inferninhos espalhados em qualquer canto do mundo. Embora a dinâmica sadomasoquista tenha sido praticada há séculos (talvez há milênios), a cena Gay Leather que conhecemos hoje foi basicamente gerada pela guerra, desde, pelo menos, 1945, com os milhares de militares gays, a serviço e após a II Guerra Mundial, que encontravam refúgio nos principais centros portuárias, logo, nos primeiros guetos gays.

Fotos 1 e 2: Leather fashion // 3: Folsom 2003 Bondage Demo

Em 1953, o filme The Wild One, estrelado por Marlon Brando, fez o estilo com jaquetas de couro preta, boné de couro preto, botas pretas, também de couro, e o jeans apertado virar moda entre os gays. Estes, se pudessem, também andariam todos de moto, tamanha a identificação com aquelas imagens. E, ainda na década de 1950, a revista Bizarre passou a publicar temas para o público familiarizado com o fetichismo sexual. Também podemos destacar aqui o primeiro filme gay do artista Andy WarholBlow Job (1964), com um close do rosto de um rapaz (naquele estilo Marlon Brando com jaqueta de couro) enquanto lhe faziam sexo oral. Além de artística, a cena é sensual, erótica e mais do que isso, de identificação imediata masculina, especialmente homossexual, iniciando-se ali uma espécie de sensibilidade gay, no sentido de uma cultura específica e, desta vez, bem clara na mente do público.

Filme Blow Job - Andy Warhol 1964 Full Movie 


San Francisco Leather Fest

O primeiro bar pró leather em São Francisco foi o Sailor Boy Tavern, que abriu em 1938 perto do Embarcadero YMCA (uma escola de embarcação), servindo aos navy boys (marujos e marinheiros) que queriam algo, digamos, de homem para homem. Contudo, a rua Folsom passou a ser o centro da comunidade do Couro a partir dos anos 1950, com diversas tentativas de ambientes afins ​​se localizado no entorno do YMCA (Jack's On The Waterfront at 111 Embarcadero 1952-1963, On The Levee ?-1972,  Tenderloin - The Spur Club at 126 Turk - 1959, The Why Not at 518 Ellis - 1960, The Hideaway at 438 Eddy - 1961).

Os alunos do Embarcadero YMCA já tinham o costume de trabalhar com pouca roupa, apenas com proteções em lona e couro, haja vista que viviam somente entre homens - muitas vezes, só com os sapatos e um suporte atlético de couro, completamente nus, até 1975, quando as mulheres passaram a também poderem trabalhar por lá. Quem passava ou trabalhava na área aproveitava a oportunidade para se reunir com os marinheiros quando eles viam à cidade, em quartos alugados no adjacente Embarcadero YMCA Hotel.

Village People - YMCA OFFICIAL Music Video 1978

Confira a tradução da letra da música Y.M.C.A. do grupo Village People (outro ícone responsável por representar o estilo gay fetichista), que reflete bem a visão gay e erótica que se tinha deste point de pegação e das segundas intenções que levavam muita gente até o local - o termo "jovem" é inspirado nas convocações e recrutamentos militares e de guerra:

Jovem, há um lugar para o qual você pode ir / Eu disse, jovem, quando você estiver sem muita grana, / Você pode ficar lá, e eu tenho certeza que você irá encontrar / Muitos caminhos para se divertir / É divertido ficar na Y-M-C-A. / Eles têm tudo / Para vocês homens aproveitarem / Você pode se enturmar e sair com todos os garotos... / Você pode fazer a sua higiene / Você pode ter uma boa refeição / Você pode fazer tudo o que sentir vontade... / Eu disse, jovem, você pode tornar reais seus sonhos / Mas você tem de saber esta única coisa / Nenhum homem faz isso tudo sozinho / Eu disse, jovem, coloque a vergonha de lado / E simplesmente vá lá, para a Y.M.C.A. / Eu tenho certeza de que eles vão conseguir ajudá-lo hoje /  Jovem homem, eu estive uma vez no seu lugar / Eu disse, eu estava 'pra baixo' e triste / Eu senti que nenhum homem ligava se eu estava vivo / Foi quando alguém veio até mim / E disse, jovem, dê uma caminhada na rua acima / Há um lugar chamado o Y.M.C.A / Eles podem dar um jeito em você / Y-M-C-A ... apenas vá na Y-M-C-A ...

Mas o primeiro bar leather de fato ficava no bairro SOMA (South of Market), o The Tool Box, que abriu em 1961 na rua 339 4th, fechando dez anos depois, em 1971. Porém, ele ficou famoso por um artigo de junho de 1964 da Life Magazine, intitulado "A homossexualidade nos Estados Unidos" - era a primeira vez que uma publicação nacional informava sobre questões gays. O artigo já descrevia São Francisco como "The Gay Capital of América" e ainda tentava tirar o estigma de que todo gay era efeminado (como se via na época e ainda hoje) ​, inspirando com esta divulgação de porto seguro ou paraíso gay muitos leathermen a se mudarem para lá.

Outros diversos bares foram abrindo e, em 1971, o moderno código da bandana leather virou a nova moda entre os adeptos do couro. No final dos anos 1970, a Folsom Miracle Mile já tinha contabilizado quase 30 bares diferentes, além dos clubes, grupos, associações e comerciantes especializados na modalidade leather, cuja maioria ficava a uma curta distância uns dos outros, criando assim um circuito ou point do couro.


Gay parade Motorcycle-club
CMC Carnival

O antecessor da Folsom Street Fair foi o CMC Carnival (California Motorcycle Club Carnival), uma festa gay também BDSM e Leather, com DJs, banda de rock, e um quartinho voltado para o sexo casual (pegação gay, dark room, glory hole...), realizado no segundo domingo de novembro de cada ano, de 1966 até 1986, em vários locais fechados. No início de 1970, o Carnaval CMC tinha a participação de algumas centenas de pessoas, tendo nas últimas edições nada menos que milhares de adoradores do couro e de outros fetiches. O CMC fora organizado por um dos moto club leather da cidade, o California Motorcycle Club, com a ajuda de outros clubes e grupos de motoqueiros gays. Os membros desses clubes montavam em sua maioria nas emblemáticas motos Harley-Davidson, geralmente com tatuagens e piercings pelo corpo, acessórios de couro e metal (cromado), óculos Ray-Ban (que, aliás, foi criado por encomenda de um militar), reunindo-se nos finais de semana para passeios e bebedeira nos bares e... quem sabe, uma praticada na interação leather. Leia mais em: Couro, Ray Ban e Motoqueiros

Mas como esses locais para a galera do couro estavam fechando rapidamente, principalmente a partir da década de 1980 com o HIV, um grupo de ativistas, moradores e líderes comunitários decidiram iniciar uma feira de rua. A feira iria aumentar a visibilidade da comunidade, proporcionar um meio para a necessária arrecadação de verba e criar oportunidades para os membros leather participarem com serviços e informações, incluindo o sexo seguro, com spas e termas específicos, sex shop e bares especializados.


Performance drag de dentro de uma gaiola suspensa por um guindaste.
Outdoor Gay Public and Fetish Festival

Como é uma das poucas ocasiões em que se pode presenciar sadomasoquistas em plena atividade e em público, a FSF atrai um número considerável de curiosos e turistas que vão só pra ver, além de tantos outros que apreciam a atenção de quem passa. Um encontro entre voyeurs e exibicionistas, também ideal para centenas de fotógrafos e cinegrafistas - alguns aproveitam o evento para produzir séries de fotos artísticas, documentários e, claro, vídeos pornô.

Em contrapartida, há aqueles que criticam negativamente a atmosfera obscena e de ampla tolerância ao comportamento lascivo e em plena rua, para quem quiser ver. É um prato cheio para os conservadores e grupos homofóbicos que transformam a festa em um exemplo negativo para as causas políticas LGBT - eles tentam denegrir o "orgulho gay" tratando todos os homossexuais como adeptos desta prática sexual e estilo de vida tão específicos, colocando todos em um mesmo seguimento: o dos "desviados". Contudo, os organizadores vêm ganhando cada vez mais confiança das autoridades municipais, como se tem demonstrado não só um nível excepcional de apoio comunitário e de voluntários, mas também por ser um modelo para outras feiras e festas de rua em São Francisco, especialmente quanto à segurança e ao direito na liberdade de expressão.

Folsom Street Fair 2003 (com cenas pornô)

Com a ajuda da renomada ONG Sisters of Perpetual Indulgence, as doações na entrada da feira totalizaram cerca de 400 mil dólares, sem contar com outros eventos organizados como o Pink Saturday e o Castro Street Fair and San Francisco Lovefest. O montante arrecadado nos portões e com a venda de bebidas e artigos diversos (inclui suvenir), bem como do apoio de patrocinadores, vai direto para as instituições associadas (os "beneficiários"), tendo estas atuação na saúde pública, direitos e recursos humanos, arte e entretenimento.

A Folsom Street Fair atrai anualmente meio milhão de visitantes, incluindo fãs leathers do mundo todo, sendo o 3º maior evento de rua na Califórnia, após o Tournament of Roses Parade (um desfile semelhante à Festa da Uva que temos aqui no Brasil, em Caxias do Sul, com carros alegóricos e escolha da rainha da festa - Rose Queen) e a Parada do Orgulho Gay de São Francisco (San Francisco Pride ou SF Pride). Cada vez mais, a FSF, que é a maior feira de fetiche do mundo, vem ganhando notoriedade internacional e vem incrementando o cenário Leather como palco ou vitrine para artistas diversos e todo o mercado erótico e pornô, mercado este que movimenta 1 bilhão por ano só no Brasil.

Em outras localidades, encontros e festivais semelhantes acontecem na Folsom Street East, desde 1997, em Nova Iorque (NY), para os europeus, a Folsom Europa, em Berlim, Alemanha, desde 2003, e a Folsom Fair Norte (FFN), versão da FSF em Toronto (ou FFNTO), de 2003 a 2008.

Veja mais Vídeos e Fotos relacionados:
Folsom Street Fair

Looking for $220/Hour - Episódio 4 Folsom Street Fair 

Folsom Street Fair 2004 y los Chicos de TIM

Gangbanged by nasty pandas

Sebastian Keys Dominated at Folsom Street Fair

Folsom St Fair With Natural Vision arquive.org

Galeria:
Folsom Street Art Preview








































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